30 novembro, 2011
O livro das continuações
# xxxiA vida é imperfeita, sabe-se isto, mas ao mesmo tempo é imensa, permite eliminar as subtilezas e preservar a vastidão da matéria íntima, as memórias, as esperanças, as dúvidas, as suspeitas, as fugas. Às vezes o fim do romance desperta o sangue, um estímulo demasiado forte que compele a limpar o corpo, para o começar novamente, dar-lhe outros erros e enganos, sem saudade. Tenho dificuldade em ter certezas antecipadamente, recomeço-me sempre assim, pela oportunidade e pela frustração. Estou a tentar.
16 novembro, 2011
O livro das continuações
# xxxComeçaram a chegar as cartas de outubro sem remetente, deus me valha, não sei o que fazer. Temo que me esteja destinado o que é comum acontecer a quem espera, pouco, uma paixão traiçoeira ou terminal, saudades, outra oportunidade. Não sei, não sei. Às vezes ainda sinto o cheiro dele a escorrer pelas paredes da casa. Sei que é estranho, não o declaro, podem julgar-me doida. O que sou, embora não seja sempre ou sobretudo isso. Agora, por exemplo, apetece-me dançar. E, crazy, toys in the attic, I am crazy (*), vou fazê-lo sem par.
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(*) versos de “The trial”, canção do álbum The Wall (Harvest Records - EMI Records, 1979), da banda Pink Floyd.
02 novembro, 2011
O livro das continuações
# xxixQuando olho para trás vejo sobretudo a actualidade, a realidade que chega, o júbilo da presença estabelecida como profecia que se projecta para sustentar-se e realizar-se, como se o tempo estivesse comprometido apenas com a perpetuação, com o instante permanente que se acumula e prolonga a identidade própria, à semelhança de qualquer vício. Tento e falho frequentemente neste fio. Depois tento de novo de modo a que o passado não seja a excitação exausta na actualização, os fracassos compreendidos com consequências que subsistem, depois tento de novo de modo a que o passado seja o mistério que anunciou o que estava para acontecer e aconteceu na sequência de si. O rasto, preciso do rasto para orientar-me.
2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).