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O livro dos livros

Histórias e revisão de histórias, por Eliz B. 

30 dezembro, 2007


Livrete dos anjos sujos

# vi
. Hugo Glück amou sem medida uma mulher uma vez apenas. Nessa ocasião, acariciou-lhe a face com as mãos e beijou-a. Ao princípio ela resistiu, depois deixou acontecer o caso. Com a continuação, um e outra empolgaram-se. Ele colocou as mãos sob a blusa dela, encontrou-lhe as costas e puxou-a para si, apertando-a contra o seu peito. Ela tentou o mesmo, desfraldou-o, mas não conseguiu. Dispondo-se a remediar o caso, ele foi à cozinha, pegou um cutelo e regressou ao quarto. Despiu a camisa e estendeu a lâmina na direcção dela. Corta-me as asas, para que possas abraçar-me como eu te abraço, completo. Ela correspondeu ao pedido que ele formulou. Depois tomou-o nos seus braços, onde viria a morrer pouco depois, exangue, vítima da hemorragia que resultou do facto de lhe terem sido amputadas as asas.

referência

23 dezembro, 2007


Livrete dos anjos sujos

# v
. Durante muito tempo, Sylvia Horvath padeceu noites de insónia frequentes. Sobreviveu a todas, a maior parte noites largas, mas, justamente porque lhes sobreviveu, envelheceu precocemente, no espírito, não na carne. Em muitas dessas noites de insónia o seu sono era arrombado por um sonho estranho que, mesmo depois de ela acordar, continuava a correr. As primeiras vezes que isto sucedeu, Sylvia esfregou as pálpebras, tentando descongestionar a visão. Porém percebeu que, por mais esforçada que fosse a sua tentativa de descoalhar os olhos, a revelação onírica continuava a acontecer. Foi assim que muitas vezes ela testemunhou uma chuva torrencial de leopardos albinos. Sentia-os a rondar a sua cama, ouvia os rugidos, a garras a tocarem o soalho do quarto, sentia a sua respiração, o seu bafo. Em noites de maior sobressalto, a chuva era de tigres com dentes de sabre, também brancos, os tigres. Uma ou outra vez, circunstância rara, sonhou com chuva de baionetas. Diferente do que acontecia com os felinos, que desaceleravam a queda à medida que se aproximavam do chão, acabando por o tocar com souplesse, as baionetas espetavam-se com fragor no soalho do quarto. Na única vez que Sylvia se aventurou a desafiar o sonho, levantando-se e saindo da cama, uma dessas baionetas cravou-se na sua clavícula esquerda. Ceifou-lhe a raiz da asa. Atingiu-lhe o coração.

referência

16 dezembro, 2007


Livrete dos anjos sujos

# iv
. Embora as suas asas já tenham definhado e não as possa usar, Maria Saint-Saëns ainda está viva. Passa muitas tardes à janela, resguardada, a atirar pedras a quem passa na rua, particularmente aos miúdos, quando estes vão a caminho da escola. Durante a madrugada, acautelando o stock de munições para o dia seguinte, sai à rua para apanhar as pedras que atirou antes. Numa ocasião um sobrinho perguntou-lhe o motivo de tal comportamento. Ela respondeu, faço-o para poder continuar a fazer o que faço. De tanto as enrolar na mão, como se as acariciasse antes de as arremessar, ela conhece cada uma das pedras. Só desiste de uma pedra se ela for colhida e levada por alguma pessoa ou depois de a ter utilizado sessenta e seis vezes. Nunca lançou uma pedra sessenta e sete vezes ou mais, nunca. Quando recolhe uma pedra que atingiu o sexagésimo sexto arremesso contra alguém, atribui-lhe um nome, envolve-a num tufo de penugem sua e guarda-a numa arca, a única que tem, que está no seu quarto.

referência

02 dezembro, 2007


Livrete dos anjos sujos

# iii
. De Ulrich Kurtz quase nada se sabe. O pouco que se sabe é que um dia desapareceu, montado sobre uma bicicleta. E, mesmo isto, sabe-se pela estranheza do facto. Era o princípio do outono, final de setembro ou início de outubro, e, já tarde avançada, hora do lusco-fusco, ele passou de bicicleta na avenida. Então foi evidente para mais do que uma testemunha que a bicicleta seguia sem que ele pedalasse e que nas suas costas havia um par de asas imponente, em leque suave, e era isso que fazia a bicicleta avançar. Vivo nunca mais alguém o viu. Casualmente, foi encontrado morto numa floresta próxima da casa onde nasceu e viveu. Em torno do corpo havia uma clareira que parecia ter sido varrida por uma vassoura suave, de penas talvez. O cadáver estava no meio dela. Quem o encontrou reportou que o corpo estava frio, como sucede com o corpo dos perecidos, e sem pulsação. Mas que, de quando em quando, não obstante a inexistência de sinais vitais, as asas agitavam-se, como se o quisessem levar para um lugar diferente daquele onde jazia.

referência

2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).