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O livro dos livros

Histórias e revisão de histórias, por Eliz B. 

26 junho, 2008


Livrete dos anjos sujos

# xvii
. Mónica Liberman tinha coração cascadeur. As asas permitiam-lhe isso, coreografias e manobras que desafiavam as gravidades, a da maçã de Newton e a da pauta honrada. Era louca na cama e sobre outras peças de mobiliário. Não por acaso a pedra de mármore da cómoda do seu quarto foi partida. Se não distinguia mobília, ela também não distinguia divisões ou exigia o recato de paredes para consumar o acto. Bastava-lhe a vontade, dispensava espórtula. Havendo talante, propiciava a oportunidade e concretizava a performance. Às vezes na rua, como uma cadela ciosa. Porém ela não beijava. Sou solta n’ars amatoria, comigo pode ser tudo, excepto beijos. Temia que, durante o ósculo, algum dos seus parceiros lhe sugasse o ar dos pulmões, asfixiando-a. Morreu ainda nova, antes dos trinta anos, na sequência de um salto com pára-quedas mal sucedido. O exercício fazia parte da terapia contra a fobia dos beijos. Por causa da fama acumulada e dos seus modos soltos, as autoridades locais impediram que a sua campa fosse adornada com uma lápide com o seu nome talhado a cinzel. Aqui, às putas e às tontas, mesmo às que têm asas com penas macias, este pormenor dela o administrador sabia-o por prova pessoal, aplicamos a regra da campa rasa, explicou ele. Desde então, naquele lugar, o vento desafia os ciprestes como nunca antes qualquer elemento desafiou. Há quem diga que, ali, as gravidades estão a começar a mudar.

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21 junho, 2008


O livro das continuações

# vii


Sinto o tempo desprendido de mim, o atraso intacto. Espero o adeus. O meu organismo espera-o também, comigo. Se a paixão deixou de ser turbinada?, deixou, sabes bem que deixou. O amor é um séquito de demónios, a beber no sangue, a banquetear-se nas dúvidas, que não pode deixar a carne sem atenção. Não basta que combine com a tensão arterial. Sei que o coração não tem permanências. É um dispositivo irregular, afectado pelas caves e fissuras que o constituem. Mas não é aí, nesse facto, que reside o problema. Agora tenho a tesão partida, é-me em agonia. Se a culpa é tua?, é irrelevante. O nosso amor bandido não pode continuar sem exigir demais à bricolage dos nossos corpos. Tens coração de pistoleiro, olhos de menino, enganas-me. Eu engano-te também, enganamo-nos. Somos demasiado previsíveis e sem depois. Por isso, caso perguntes o que é que aconteceu?, responder-te-ei aconteceram as nossas vidas. Aconteceram até bifurcarem-se em desejos distintos. Para recuperar o nosso amor é tarde, demasiado tarde. É como quereres recuperar um cigarro da cinza. O meu coração dilata, porém não tanto que possa alcançar outra vez o que passou. Menos ainda quando a tua preocupação maior é o pó sobre as coisas e quando eu consigo enganar-me sem ti. Tenho braços, tenho mãos, tenho dedos. Não necessito do teu consolo. Sou dentro de uma mulher, sem dissidência. Ainda sinto os amores como se fossem o primeiro e não houvesse mais, futuro, continuação. Mas sei que há.

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14 junho, 2008


O livro das continuações

# vi


Se disser que doem-me as costas, acreditas? Doíam-me já ontem e hoje continuam a doer-me. É verdade. __________________________ Os corpos não apelam todos de modo igual. Por exemplo, eu julguei-te mais vivido, com mais estradas. Pedi-te traz-me pecados, mas por algum motivo não correspondeste ao meu pedido. Posso teorizar sobre o assunto, pois posso, porém basta-me a angústia do que posso. Enganei-me, para mim esta admissão é suficiente. Acresce que a ideia de tornar a sacrificar-me por ti não me parece boa. Já me sacrifiquei antes, não estou disposta a repetir sem vantagem. __________________________ O bem não faz parte da minha natureza. Aliás, o bem não faz parte da natureza. Para além disto, ou somos comunidade, juntos, ou não somos e não seremos. E não fiques a pensar que arrumar o cancioneiro da solidão é missão com que me comova ou com a qual seja capaz de entreter-me. Não te iludas. Sei que no fim, diante do fim, tudo o que terei comigo é o meu passado. Daí que prefira que ele constitua culpa, não remorso. Porque da culpa, a minha, aproveito.

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07 junho, 2008


O livro das continuações

# v


Sabes?, às vezes ouço a mesma canção tantas vezes seguidas que fico sem motivo para dizer o que quer que seja. Não sei se é normal e não sei explicar muito bem. Sento-me no chão do quarto, contra a porta. Esta é a posição em que fico. Ao princípio ouço a canção uma, duas, três vezes, com muita atenção. Após ouço-a mais três, quatro vezes, para descobrir-lhe os pormenores. A partir de determinado momento começo a ficar anestesiada e a sentir uma voz a roçar-se dentro de mim, a perguntar-me se eu sou uma deles. Mas a voz é em inglês, are you one of them?, assim. Eu não respondo. Naquele momento já estou sem palavras. Esgoto-me assim. E continuo a ouvir a canção, mais vezes, mais ainda, até ela ser uma parte do meu corpo, mais do que uma parte de mim. Estás a perceber? O mesmo repisado e repisado, instalando-se na minha carne, camada sobre camada, sem dor e sem resistência. Acolho totalmente a canção. E o que é mais estranho é que este processo faz sentir-me simultaneamente rendida, porque fico exausta, e fortalecida, porque sinto-me preenchida com a força da canção. __________________________ Não, não, eu só faço isto quando estou sozinha. Preciso da solidão. Começo em mim e depois prolongo-me, primeiro dentro do que sou, a seguir no quarto. É uma sensação estranha, mas não é uma sensação má. Eu gosto. Tanto que repito com outras canções, canções tristes. Não consigo explicar melhor.

referência

2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).