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O livro dos livros

Histórias e revisão de histórias, por Eliz B. 

29 julho, 2006

O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo


# Um

Ele contou-me todas as suas tristezas, as pequenas, as assim-assim e as grandes. Estes são alguns dos pormenores do seu caso. Dito-os para arquivo, para que, como sumário, constem do respectivo processo.
Há dez anos, ele apaixonou-se exactamente no primeiro dia de Junho, logo de manhã, quando mudou a página do calendário. Aquela era a mulher para a sua vida, sentiu e desejou ele, mais do que pensou. Em consequência, o seu primeiro acto de expediente naquele dia foi escrever um pequeno bilhete de atenção à mulher do calendário, bilhete que nunca mereceu resposta. Em esperança, ele manteve a página do mês de Junho à mostra até ao último dia de Setembro. A um de Outubro, porém, desvairado por a sua paixão não ser correspondida, ingeriu uma dose exorbitante de barbitúricos e deixou o corpo deslizar, dormente, quase zombie, entre a marabunta da cidade. Sem amparo, convulso, caiu no chão. Foi levado para o hospital. Aí, para além da intoxicação devida à ingestão excessiva de comprimidos, diagnosticaram-lhe um ror de males de foro psíquico. Permaneceu internado e sob vigilância clínica apertada até ao final do ano passado. Quando regressou ao mundo, à ordem de fora, arranjou emprego numa pequena vulcanizadora. O seu trabalho é simples, desmontar e montar pneus de automóveis ligeiros, o que, afirma o seu patrão, ele faz com destreza. Aliás, todos os dias é o primeiro a chegar ao emprego. E desde o princípio do ano que o calendário junto ao seu posto de trabalho está na página do mês de Julho. Desta vez, dizem, ele apaixonou-se antes do tempo, não esperou pelos calores de verão.

fotografia 1996 © Peter Lindbergh e Pirelli
fotografia 2006 © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli

referência

22 julho, 2006


Livro de arqueologia do mais intrépido dos super-heróis


Fascículo # 1

Querido diário, vou escrever nesta página a verdade, apenas a verdade, mas depois vou rasgá-la, para que ninguém fique a saber o segredo que te vou revelar. Vou fugir, sair de casa. Sei que vou preocupar a minha mãe, mais ainda, mas tem que ser.
Gosto de super-heróis. Ao princípio só me inclinava para heroizitos plausíveis. Em pequena apaixonei-me pelo meu Edu, o Jaime Eduardo de Cook e Alvega, mais conhecido como major Alvega. Foi uma paixão não correspondida. Sofri muito por isso. A minha mãe diz que eu sou louca, quando refiro estas coisas. Que ele, o meu Edu, era apenas uma personagem e que eu devia ter juízo, para não me apaixonar por gente de tinta em papel. Mas a minha mãe sabe lá o que é paixão ou heroicidade. A minha mãe não consegue sequer ser ousada. Está sempre a dizer, tem cuidado, tem muito cuidado, filha. E lava a loiça com luvas, para não melindrar as unhas, diz ela. Tem cuidado, tem muito cuidado... Eu não quero ter cuidado. Quero aventura, rua, estrada, gastar as garras. Também cheguei a apaixonar-me pelo Mandrake. Com este, no entanto, foi uma paixão pequena, passageira. Logo, logo, porque o Mandrake andava sempre com o Lothar e quase nunca usava os músculos, desinteressei-me. E passei a outra divisão. Nada de Batmans ou Spidermans ou Supermans – sei que correcto é escrever Batmen ou Spidermen ou Supermen, mas quero escrever assim, errado, diferente. E passei a outra divisão mais cool e underground. Depois também isso passou. A minha mãe internou-me, fui injectada para deixar de viver dentro de uma banda desenhada. Resultou até agora. Já sou maior do que as drogas que me receitam. Filho da puta do psiquiatra!, incapaz!, venci-o. Mas finjo que não, que, mentira, são ele e as merdas que ele prescreve que me comandam.
Seja como for, eu quero sair daqui, estou à espera de oportunidade, e isso preocupa muito a minha mãe, porque suspeita que eu ando com a mania de voltar para dentro de uma banda desenhada qualquer, da qual, após, não vou querer sair. É verdade. Confessei-lhe agora, há pouco tempo, que conheci o super-herói da minha vida, o Lobinho Nódoa. Ao princípio a minha mãe assustou-se e exclamou ó meu deus!, outra vez!, não pode ser! Mas depois, cheia de esperança, como todas as mães, ela sugeriu que talvez fosse reminiscência das campanhas publicitárias na televisão ao Presto, o detergente dos glutões. Ou, então, do Noddy, aquela figurinha desprezível tipo Pinóquio que não mente e a que não cresce o nariz, criado por Enid Blyton. Um natal qualquer ofereceram-me um boneco desses. Teve um único uso, nas minhas experiências de voodu. Piquei-o todo, todinho, com alfinetes. Por isso descoseu-se e, um dia, ficou com as entranhas expostas. Esponja apenas. Deitei o boneco no lixo. A minha mãe não sabe. Julga que foi alguém que o roubou. Deitei-o no lixo porque não gosto de recordar o natal. Para além disso, o Noddy sempre me pareceu repelente. Todo cheio de cores garridas e com um guizo na ponta do barrete. Bá!, que nojo. Mas tornando às reminiscências, eu respondi à minha mãe que não podia ser. Não lhe falei do Noddy e do destino que lhe dei, para não suscitar suspeitas. Falei-lhe da publicidade. Disse-lhe que eu apenas recordo os anúncios à pasta medicinal Couto e ao restaurador capilar Olex. Também recordo o homem da Regisconta e a conversa toda do coelhinho que vai com o pai natal e o palhaço no comboio ao circo. Mas dos glutões não tenho memória. A minha mãe insistiu, disse que a origem do caso pode ser mais abaixo e complicada, escondida lá nos fundilhos, nas catacumbas do juízo, tipo Freud explica. Não sei. Talvez seja. Mas o que quero que tu saibas, ó querido diário, é que eu tenho um novo super-herói, meu, só meu, todo meu. O Lobinho Nódoa. Não direi a mais ninguém. E à minha mãe vou dizer que o que lhe disse foi invenção minha, brincadeira. Acho que sou capaz de a convencer. Agora vou rasgar esta folha, para, depois, ir ver se encontro o meu super-herói.
Lobinho, u-u, bilu, bilu, onde estás? Aparece, estou em perigo. Aparece, chamo-me Deolinda.
Ao mesmo tempo que surgiu um espectro na parede, ouviu-se um uivo. Ela nunca mais se viu.

referência

15 julho, 2006


O livro das fugas


ii. A esquiva

Grito hemorragia!, hemorragia! e olham-me com espanto. Não derramo sangue, não agonizo. Dou pulos, dou saltos, aviso. Afio o gume da lâmina. Dou cambalhotas e faço acrobacias com as mãos. Continuam a olhar-me com espanto, como se fossem testemunhas da transubstanciação, em mim, do juízo em loucura. Apenas ela se aproxima e diz sossega, estou aqui, venho buscar-te. Reajo, mas quem és tu?, eu não te reconheço. Depois grito, grito sobretudo para os outros, sou uma pedra de xadrez!, pedra de carne!, não jogo à macaca! Dou um passo atrás, afastando-me dela, e digo-lhe foge, foge que eles vêm aí agora, estão a aproximar-se, foge antes que te embarguem. Mas ela fica e estende-me a mão, disposta a colher-me, parecendo expressar uma cumplicidade através do gesto que não sei se é cumplicidade. Os outros, não obstante a aproximação, permanecem a uma distância significativa. Então clamo epidemia!, epidemia! E ela repete sossega, estou aqui, venho buscar-te. Mas eu não me entrego. Também não vou com os outros. Simulo a corrida, saio.

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08 julho, 2006


O livro das fugas


i. A diferença

A liberdade é o outro lado, disse Donato. Mas, reagiu Leopoldo, às vezes é sobre o limite da liberdade, no limiar que separa e encontra este e o outro lado, que é bordada a vida. Donato pensou durante um instante sobre o significado de tais palavras. Embora não concordasse com o seu interlocutor, procurou um ponto de intercessão com ele. Concorda comigo, então, num pormenor: a paisagem da liberdade é composta por dois lados, desafiou Donato. Leopoldo, sim, concordo, anuiu. Mas, acrescentou de imediato, no entanto, a paisagem da liberdade não é composta apenas por esses dois lados. Para além dos lados, um e outro, há necessariamente o que os faz, há a linha que os aparta. E essa linha é ainda território possível de vida, de liberdade. Donato tinha dificuldade em acompanhar o raciocínio do companheiro. Sabia pela sua prática que o fulgor dos livres lhe chegava quando se atrevia a ir para além do que estava estabelecido. A condição de solto sentia-a quando se livrava das convenções e calcorreava domínios que, aplacados pelos medos ou pelos modos, outros não ousavam pisar. Por isso, não consigo compreender o alcance da sua lucubração, insistiu Donato. Para mim, a liberdade é depois dessa linha, porque antes é o cativeiro. O que significa que essa linha é como uma porta. Vista de cá é a saída para a liberdade, vista de lá é a entrada para o cativeiro. Daí que essa linha não seja, por não poder ser, chão de liberdade, mas seja uma zona de transição ou, se preferir, uma twilight zone. Fez-se um longo silêncio de desacordo entre ambos. Continuaram a andar, marcando Leopoldo a direcção, o sentido e o ritmo dos passos. Ao aproximarem-se do limite do campo, Donato começou a sentir o apelo do outro lado. O sopro selvagem que residia nele havia despertado. Leopoldo logrou sustê-lo ali, embora caldeasse em Donato uma vontade indómita de liberdade. Leopoldo disse, olhe, vê?, apontando para um pormenor da cerca que estava diante deles. Donato confirmou, vejo. Ambos, detidos, olhavam um segmento do arame tenso que marcava o interior e o exterior daquele campo. Vê?, continuou Leopoldo, o mesmo detalhe que nos pode rasgar a carne, a farpa, é também o apoio para outros fios. Como a aranha fez, é possível trabalhar o limite - que é diferente de trabalhar sobre o limite -, utilizando-o para estender a liberdade. Na prática, ao trabalhar-se o limite, o que para alguns parecerá apenas submissão, é possível almofadar e, assim, anular o que é aguilhão e motivo de dor para o nosso corpo. Leopoldo tornou a apontar para o pormenor que observavam, como que a antecipar a confirmação das suas palavras, trabalhar o limite, no limite, torna possível tecer e suportar um edifício, uma vida. Donato discordou, isso seria possível se fôssemos pequenos como um insecto, mas, como não somos, não é possível. Leopoldo tentou encontrar-se com o argumento do outro, falta-nos crescer, não é?, para conseguirmos ser mais pequenos, de um tamanho livre. Donato não respondeu. Entretanto intensificara-se-lhe mais ainda o instinto e, súbito, saltou para o outro lado. Correu. Naquele momento Leopoldo ficou atónito. Depois, já recuperado da admiração, assentou de modo firme as mãos sobre o arame farpado, apertou-as para ali sentir-se seguro, e ficou a testemunhar a fuga de Donato. Enquanto ele se afastava, Leopoldo começou a sentir as suas mãos a aquecer. O sangue escorria. Um vulto desvanecia-se no horizonte.

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01 julho, 2006


O livro das trevas


i. O lado de lá da noite

De manhã, quando acordavam, os habitantes daquele lugar encontravam as ruas limpas. Nunca esse facto os intrigou ou lhes suscitou curiosidade até que um dia
entre todos os dias, aconteceu ser naquele, igual a qualquer outro, mas diferente porque foi justamente nesse dia que
alguém anunciou ser isso um mistério e não natureza. É um mistério, mas não é um mistério qualquer. Minhas senhoras e meus senhores, é um mistério do arco da velha, declarou dom Lázaro, a maior das autoridades do lugar.
fosse ou não fosse um mistério do arco da velha e fosse ou não fosse a noite o arco da velha
Todos ou quase todos ficaram sobressaltados pela apresentação do caso nestes termos. Por isso, reunidas em conselho, decidiram as almas superiores dali que, por forma a abreviar a angústia do povo,
o povo, sempre o povo, o nosso povo, em nome do qual e para segurança do qual tudo se decreta foi decretado que
fosse investigado e dissipado tal mistério. Dom Lázaro, como lhe competia, anunciou publicamente essa decisão. De imediato surgiu uma dificuldade, encontrar quem se atrevesse a entrar na noite e a calcorrear as ruas como observador da causa do mistério. É que naquele lugar havia apenas dois tipos de gente acordada durante a noite. Havia os que amanhavam e coziam o pão, os padeiros. E havia o louco, Benevenuto, conhecido como filho da meia noite, que, entre outras loucuras, dizia haver pessoas que viviam acordadas sob o luar, pessoas que, porque dormiam durante o dia, os outros nem conheciam nem viam. Por motivos óbvios,
talvez os motivos não fossem óbvios, mas eram motivos e por isso
o louco não foi considerado alguém a quem pudesse ser confiada tão delicada missão. Quanto aos padeiros, embora acordados durante a noite, eles tinham que trabalhar, pois ninguém dispensava o pão fresco pela manhã. Aurora em que não houvesse pão quente para barrar com manteiga seria certamente má aurora. Aliás, nenhum habitante do lugar, do mais velho ao mais novo, alguma vez ouvira falar de acontecer uma manhã, diferente da manhã de domingo, em que não tivesse havido pão acabado de cozer.
para além disso, ainda que nocturnos, os padeiros eram acordados apenas entre paredes e sob telhado e jamais saíam à rua antes de o sol raiar
Perante estas contingências, os notáveis do lugar acabaram por convocar alguém credenciado, o detective. Nada de extraordinário demandaram a Constantino, assim se chamava o detective. O que lhe pediram foi que sob o período de luar aplicasse as mesmas técnicas e os mesmos métodos de investigação que aplicava quando o sol dourava e, assim, deslindasse o mistério, aquele mistério.
o quê ou quem, o que raio é que limpava as ruas durante a noite, se era o vento, se eram fantasmas, se eram animais, queriam saber os habitantes daquele lugar
Constantino, moço intrépido, acatou a missão. Nesse mesmo dia, depois de jantar, despediu-se da mãe, que evitou o pranto mas não a inquietude,
porque desde o crepúsculo, na casa de cada família, eram cerradas as portas e as janelas para evitar que a escuridão entrasse, julgando, quem se guardava assim, que desse modo se evitava a sua contaminação pelo obscurantismo
e saiu para as trevas nocturnas. Não precisou de muitas noites para fazer e dar por concluída a investigação. Na manhã do que seria o quarto dia de inquérito, Constantino regressou, encontrou-se com o colégio das autoridades do lugar e, comunicando em termos resumidos o relatório da investigação e os respectivos resultados, disse-lhes quem limpa as nossas ruas são umas criaturas estranhas. Os outros quiseram saber mais pormenores, criaturas estranhas?, estranhas como? O detective respondeu-lhes por acto e por palavras. Por acto entregou uma série de polaroids e por palavras disse estranhas como nós. Depois, embora o dia já fosse claro,
as ruas estavam limpas
foi dormir.

referência

2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).