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O livro dos livros

Histórias e revisão de histórias, por Eliz B. 

26 julho, 2009


Livrete dos anjos sujos

# xiii
. Carlos Grünwalt descobriu tarde que não era um rapaz como os outros. Cresceu sob protecção da mãe e foi educado em casa. A família contratou uma preletora. Foi com ela que Carlos aprendeu as letras e os algarismos e compôs as primeiras palavras e os primeiros números. Não demorou a conseguir escrever frases e parágrafos e a fazer operações aritméticas. Por não afastar-se demasiado do domicílio, as pessoas que conheceu foram aquelas que oficiavam lá em casa ou a visitavam. Algumas das muitas raparigas chamadas às matinées e aos saraus que aí aconteceram sentiram-se atraídas por ele e seduziram-no. Com uma ou outra criada sucedeu o mesmo, porém com mais recato, por temor à patroa, a mãe dele. Mas, passado algum tempo, não muito, todas o abandonaram. Após convívio breve, um beijo, dois beijos no máximo, elas apercebiam-se que das costas dele emanava um odor semelhante ao de ave de capoeira, que os tempos de estio tornavam mais notório e desagradável. As moças, viçosas e solicitadas pela tentação da rapaziada restante, não toleravam o fedor e afastavam-se. Ele era já homem feito quando conheceu a primeira mulher no leito. Por aos trinta e três anos de idade ser órfão e permanecer casto, o padrinho conduziu-o a um prostíbulo para remediar a situação. Hás-de ir e, derramado de ti, ressuscitar homem finalmente. Ao vê-lo e sabê-lo ali para inauguração tão tardia, os circunstantes riram. O que comoveu uma das meninas da casa, a que o atendeu e serviu. Por ela ter-se excedido em meneio e gentileza, ele apaixonou-se e, depois de alguns regressos para a visitar, ela apaixonou-se por ele ter-se apaixonado por ela e por dar-lhe espórtula abundante. A mãe dele começou por reagir com desagrado e censurou o compadre, que culpou daquela consequência. Passado algum tempo, continuando o desvario dele, ela inclinou-se com relutância e não resignação perante o facto. Mas, após perceber o efeito dela sobre o filho e ter testemunhado a dedicação e o afecto dela a ele, fazendo jus aos pergaminhos liberais da família, concedeu a benção à união matrimonial. Por cuidado maternal, exigiu apenas que, casados, habitassem a ala poente da casa, ao que ele e ela acederam, por desejarem também. A cerimónia foi discreta. E, conta-se, na noite de núpcias ela terá copulado também e pela primeira vez com o sacristão. Sete meses depois ela faleceu e ele descobriu o enredo da traição que não suspeitava. Sendo o marido e o homem legítimo dela, ele não era o único que a frequentava e a quem ela concedia abrigo sobre os lençóis. Na cama ela destapava-se também para outro. Em consequência do trauma, ele suicidou-se e tornou-se célebre por ser o anjo de um poema só, encontrado caligrafado, este, esta força de cair, já não posso mais. sofro
a culpa de ser inocente, de não poder matar-te
como merecias. sofro a culpa de não ter defesa
e de continuar a sofrer-te, como se fosses um electrodoméstico
que já não funciona, que também não tem conserto,
mas que continua sobre a bancada da cozinha,
onde sempre esteve desde que viemos habitar
esta casa.

amanhã hei-de cuspir sobre a tua campa. cuspirei
em vão, porque não sou uma personagem de vian.
pisarei as ervas que não arrancaste, as avencas,
sem preocupar-me se vicejarão ou não. e não serei
o abstémio que nunca fui como tu foste puta
antes e depois de mim. o que sofro mato,
para matar-te definitivamente. como quase sempre,
a minha mãe teve razão à primeira vez. uma puta?,
filho, perguntou ela. não, mãe, deixou de ser e não será
mais, respondi eu o meu engano
.

referência

19 julho, 2009


O livro das continuações

# xxiv
.

Se o meu corpo fosse moderno, não haveria de sofrer a memória e o atraso em que ela me consome. Pelo contrário, haveria de sentir o estilo que o meu corpo suporta, o esquecimento que sou, sem tentar. E depois? _____ Repito a pergunta a cada desmoronamento que observo. Os desmoronamentos são frequentes. Habituei-me às ruínas, mas não à cerveja adamada, própria para os mortos que as ruínas celebram. Estou quase a esquecer Bukowski e Lowry, não a admitir tirar o coração do peito e escondê-lo para me acontecer a imortalidade. O veredicto da continuação não é a imortalidade, é a sobrevivência. _______________ O corpo é um modo de perseguição, isto não esqueço. Se é outro começo, é a mesma culpa, a culpa que me apazigua. Ocupo-me de coisas menores para colher a soberania que posso ter sobre mim. Condição ou processo, sou continuação, quero ser continuação. Não desejo morrer feliz.

referência

05 julho, 2009


O livro das continuações

# xxiii
.

__________ Hoje estou com pressa, sem vagar para cuidados. Reconquistei a confiança das vozes, consegui abafar o bazar que levantavam em mim. Agora ouço-as com disciplina, como se tivesse uma telefonia instalada na cabeça e pudesse escolher a frequência que desejo ouvir. Julgo que as minhas vozes, minhas porque íntimas, funcionam em frequência modulada e estereofonia. Não tenho a certeza. Não se pode ter a certeza. _____ Apenas os cigarros ainda me interrompem a pressa. Aspiro-os pelo vicío e por acompanharem-me a solidão, sem transtorno ou expectativa. Cumprem-se num holocausto pequeno, para uma morte pequena. Exigem-me posição e pausa, dou-lhas. Sofro-os, sofro-os com vontade, nos lábios, nos dedos, nos pulmões. ____________________ Agora a velocidade é a alma que quero. Nenhuma outra quero. O tempo já não me sobra como antes. Continuar é isto, ganhar a vantagem de perder o que a vida transformou em atraso ou estorvo. Ou respirar fundo, alcatrão e nicotina, para esquecer o que não é possível esquecer. Os artigos da culpa assentam-me melhor assim.

referência

2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).