26 julho, 2008
O livro das continuações
# xi
Habitando o chão, testemunho a distância, a minha escala. O tempo é o meu transporte. Não regresso. Vigio o compasso atlântico longe, não me aproximo. Ouço o boletim meteorológico, leio o jornal. Não espero novidades, não as procuro. A demora continua a acontecer e a acontecer-me. A continuação é o nome do futuro e o que me promete e concretiza.
19 julho, 2008
O livro das continuações
# x
O que mais vejo são as tuas ausências somadas às minhas e o meu corpo preenchido com isso. Desespero?, não consinto que seja. Adianto-me às suas consequências. O que permito sobre o meu corpo é a injunção da loucura, para que pareça certo e consonante, sem desvio à esperança. E depois? - muitas vezes perguntas tu e depois? -, depois é depois, um lugar como outro qualquer. Uma sina, dizes. Mas não a nossa sina, não uma sina comum. _____ Como a ciência velha, tu acreditas em leis. Poderia dizer ainda, tu ainda acreditas em leis, mas não compreenderias o sentido do advérbio. As certezas são-te mais do que tu és. É isso o que mais nos afasta, porque eu tendo a afastar-me dos imperativos saturninos a que obedeces.
12 julho, 2008
O livro das continuações
# ix
Confidência. Estou a pensar. Talvez mais do que isso, estou a imaginar. O corpo não é península, é continente. E as feridas são satélites alojados aí. Íntimas, muito íntimas, doem e continuam a doer, mesmo depois de cicatrizarem. Não é segredo, as mágoas não têm fim, não são algo que possa acabar. Creio que são assim, antes de as imaginar. __________ Aprendi a beber café sem açúcar com o meu irmão. Mas isto não é importante. Estou a imaginar a canção em que Nick Cave canta you are not a home for the hearts of your brothers.* E a imaginar o que pode entrar pela janela da cozinha, se aberta. Não sei. A janela não é muito alta, é acessível facilmente. Talvez devesse preocupar-me com o facto. Porém não consigo imaginar que perigo possa passar por aí. Deus?, o bom. Deus não é o melhor dos amantes, é apenas uma personagem que imagino em technicolor. Sim, continuo a imaginar. É tudo quanto depois exige. Depois, exactamente. Agora não é tempo de admitir regressos. Já foram passos demasiados para diante.
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* verso da canção “As I sat sadly by her side” (in No More Shall We Part, Mute Records, 2001), de Nick Cave & The Bad Seeds.
05 julho, 2008
O livro das continuações
# viii
Como é que compreendo os dias?, perseverando as esperas. Ao demorar consigo decifrar o seu enredo. Torna-se evidente que, nos dias, o amor não é um valido e que amar é um verbo intransitivo. Por isso, do apocalipse, das cicatrizes, dos gemidos estrangulados, das vasas onde deito o corpo, não sei para onde vou. Também não me parece que seja importante saber o destino. Não estou a pensar arrancar-me à sua força. Confesso, imagino o destino como um ovo. É estranho, reconheço, porque ovo significa princípio e destino significa fim, mas talvez seja assim porque é imaginação, por nada mais. Às vezes os sentidos misturam-se. __________________________ Esquece os meus pés, esquece o pó. Uma máquina conduz-me para a distância, os dias levam-me. Eu não volto.
2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).