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O livro dos livros

Histórias e revisão de histórias, por Eliz B. 

24 junho, 2006


O livro dos casos silvestres


iii. O capítulo das papoilas

Sem qualquer indício que permitisse prever o caso, o naipe de espadas e o naipe de copas começaram a lutar entre si no salão de baile. Por ter sido grande o entusiasmo investido no combate, resultou que algumas das cartas foram mortas e, consequentemente, retiradas do baralho. Naquele momento, porque não gostava de guerras, Alice decidiu regressar. Saiu do salão sem que ninguém a visse e correu.
Durante a fuga, antes da colina, deteve-se apenas por um instante. Alice queria despedir-se das flores que conhecera antes e com quem conversara, mas, aflita, desejosa de sair dali, não conseguia descobrir onde estava agora o seu jardim. Desviou a corrida, no sentido da colina, por saber que era do outro lado que estava a casa com o espelho que necessitava de atravessar para consumar o seu regresso. E continuou em passo acelerado. Viu veados.
Quando passou o topo da colina e começou a descer, Alice espantou-se com o campo de papoilas que se revelou diante de si. Eram papoilas enormes, muitas da altura dela. Recomposta do espanto e recobrado algum do seu fôlego, Alice tentou dialogar com as flores. Nenhuma respondeu. Aquelas papoilas não eram como as flores do jardim. As flores do jardim eram cultivadas, cuidadas por mãos e ofícios de jardineiro, e sabiam falar. Aquelas papoilas eram flores silvestres, selvagens, e não falavam.
Com o fôlego ainda fraco, Alice avançou a passo no sentido da casa que já vislumbrava, continuando a deslumbrar-se com as flores e o seu tamanho. Ultrapassado o extenso campo das papoilas, quando começou a pisar o chão de seixo pequeno que antecipava a porta da casa, Alice parou novamente. Decidiu colher uma daquelas papoilas gigantes e levá-la para o outro lado, para a mostrar a quem lhe queria bem e de quem sentia tanta falta. Assim fez. E seguiu.
Depois de entrar na casa, Alice aproximou-se do espelho. Este, com sono, começou a bocejar. Alice sorriu. Nunca tinha visto um espelho a fazer como os gatos, acabados de sair do torpor da preguiça. Por instantes, a imagem do seu reflexo distorceu-se, o que lhe pareceu ser a antecipação da névoa que lhe permitiria atravessar para o outro lado. Por isso deu mais dois passos. Porém, quando se preparava para dar o terceiro passo, Alice foi obrigada a deter-se.
Depois do bocejo, o espelho adormecera profundamente, desequilibrara-se e tombara sobre o chão, estilhaçando-se. Através daqueles estilhaços Alice não podia regressar. Nenhum dos pedaços era suficientemente grande para ela poder passar para o outro lado. Pelo que ficou fechada no lado de lá.
Entretanto, antes que pudesse começar a preocupar-se, Alice apercebeu-se que os veados que vira antes haviam entrado também na casa. Famintos, foram conduzidos ali pelo seu olfacto. Cheirava-lhes a carne fresca, de menina. Comeram-na e comeram também a papoila.

referência

17 junho, 2006


O livro dos casos silvestres


i. O capítulo das azedas

Levado em périplos fantásticos, Samuel já conhecera lugares habitados por gente minúscula, por gigantes, por cavalos que falavam e por yahoos. Conhecera também os chãos das Índias do lado do levante, os estranhos costumes e modos dos habitantes daí e as criaturas exóticas da fauna autóctone. Mas, correspondendo ao seu anseio indómito, uma vez mais ele decidiu aventurar-se pelos mares, prometendo, no entanto, antes que levantasse a âncora, que aquela seria a sua última viagem. Depois do regresso, abdicaria do perfume da gávea e recolher-se-ia na sua eira. Esta foi, à partida, a intenção que manifestou.
Não muitos dias havia de mareio - treze eram esses dias - quando desapareceram do camarote de Samuel todos os instrumentos de orientação da navegação, incluindo a carta de mares e o sextante. Foi sob essas condições que, no dia seguinte, a tripulação teve que enfrentar uma procela. Vagas enormes abateram-se violentamente sobre ambos os bordos do navio. As madeiras cederam, como se fossem ripas. O mastro tombou, cerce, sob a inclemência da água e das rajadas de vento. O barco soçobrou, sem ter havido tempo para arrear os batéis. Aconteceu o naufrágio, em mar cavado, animado por fúrias que alguém jamais testemunhou.
Sendo incógnita a rota que seguiam, por presumirem-se longe de qualquer beira de terra, todos admitiram o fim. Com a excepção de Samuel, resgatado pela fortuna de uma corrente que o entregou a uma ilha, todos os demais elementos da tripulação, desde o mais inocente mancebo até ao irascível cabo, pereceram por afogamento, ficando, sem mortalha, naquele vasto túmulo marítimo.
Empurrado pelas ondas, o corpo de Samuel enrolou-se na areia do bojo setentrional da tal ilha. Após algum tempo, ele recuperou a consciência e, fraco, arrastou-se para além do alcance da rebentação, protegendo-se à sombra da única rocha que pontificava naquela praia. Passado o período de maior impiedade do sol, Samuel decidiu avançar para o interior da ilha, em busca de água e de algo que lhe servisse de alimento. Ultrapassado um anel de densa vegetação, deparou-se com uma clareira. Parecia um imenso tapete de flores amarelas. Ali não se ouvia qualquer animal. Era um silêncio ímpar, cortado apenas por sopros leves de vento que, ocasionalmente, por ali corriam e pelo murmurar aquoso, do jogo entre as pedras, de um riacho cristalino. O panorama diante de si era paradisíaco.
Ainda exausto, Samuel sentou-se no limite da clareira, tomando como respaldo uma árvore. Mastigou demoradamente o que colhera durante a caminhada até ali e que lhe pareceu ser um fruto, embora fosse amaro. Depois levantou-se e caminhou até à corrente de água, onde saciou a sede. Ligeiramente tonificado, mas ainda sem sentir o recobro, Samuel, de braços abertos, deixou-se cair naquele campo florido, como se estivesse a deitar-se num leito confortável. Foi então que, naquela posição e em estado de vigília, começou a ouvir um rumor. Ergueu a cabeça, fechou e tornou a abrir os olhos, sondou o redor, mas nada viu. Ao mesmo tempo que erguera a cabeça, o bazar de vozes pareceu-lhe dissipar-se. Tornou ao sossego. Pouco depois, voltou o tal murmúrio. Uma vez mais investigou, tentou verificar se havia ali mais alguém para além dele. Porém, nada, sequer um vulto, vislumbrou. Como antes, pareceu-lhe que, com o movimento de levantar e deitar a cabeça, o murmúrio tinha ido e voltado. Vergado pelo cansaço e embalado pela melopeia que resultava do sortido de pequenas e vagas vozes que ele ia escutando cada mais apagadas, o sono começou a triunfar-lhe. Adormeceu profundamente.
Quando acordou, pareceu-lhe observar em seu torno uma concentração de flores amarelas superior à que existia antes de ter adormecido. Na ocasião admitiu que essa sensação fosse ilusória. Nada lhe permitiu suspeitar que o motivo do caso fosse diferente de mera impressão. Sobre a ilha abatia-se o crepúsculo, mas o amarelo daquela clareira, vivicado, ainda resplandecia, como se fosse outro sol. Foi quando as flores recolheram as suas pétalas, como se as arregaçassem, abriram a boca e o começaram a morder. Dormente, Samuel não logrou escapar àquele florilégio que o mandibulava com ferocidade. Dele sobraram apenas os ossos, não as cartilagens, duros demais para os dentes daquelas flores pequenas.

referência

2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).