Caderno de exercícios
O exercício do desperdício
Durante muitos anos, enquanto preparava o pão e o vinho sobre a mesa, pronunciou a oração que conhecia desde idade tenra. Ao princípio por hábito, depois por devoção, repetia as palavras em voz para, por esse exercício, ouvindo-se, confirmar a fé que já começava a exaurir-se dentro de si. Não recorda o dia em que pela primeira vez calou a prece. Tão pouco recorda o motivo por que alterou o seu comportamento. Apenas tem memória do tempo em que, enquanto preparava o pão e o vinho sobre a mesa, rezava. E tem essa memória não porque tenha lembrança das palavras do enunciado da graça, do encadeamento e do ritmo dessas palavras, mas porque, recorda, então sobre a mesa havia sustento sob as formas de corpo e de sangue. Hoje, porém, já não é capaz de imaginar tais formas. É assim desde o dia em que entornou o cálice e guardou-se a observar o vinho derramado a estender-se até ao limite da mesa, desde onde pingava, prolongando-se a mácula sobre o soalho. A fé tem limites.