28 janeiro, 2007
Acácia, meu amor
# xvii. Corro para a carne, é esse o meu motivo, o motivo da minha necessidade também. É a carne que conquistei na caça, esta carne, que te apresento agora. Guarda-a e guarda-me contigo, meu amor. Protege-nos da invídia das outras fomes e da avidez do chão. Estamos em ti, para ti, para eu ser sobre ti, sobre a tua soberania levantada, mais alto, até à convocação da minha próxima fome ou da minha próxima sede.
21 janeiro, 2007
Acácia, meu amor
# xvi. A carne demora e, por demorar, é mais justa. A regra é confirmar o instinto, não o impulso. Antes de correr é necessário escrutinar um motivo. Uma vez encontrado esse motivo, correr contra ele é fácil. Mas o que vale não é a corrida, é o encontro, porque o que se pretende não é a ultrapassagem do motivo, mas a sua queda, a sua falência. Capturar é isso, precipitar as garras e os dentes sobre o que se adianta e foge. Daí que, antes, aquando o escrutínio, seja necessário vigiar, sondar o cerco pacientemente. Convocam-se todos os sentidos para aferir distâncias e precisar os ângulos de aproximação ao motivo. Esta operação cumpre-se em vagar, contra o vento, contra o tempo, corpo rés ao chão. A regra é confirmar o instinto sobre o impulso, soltar o impulso se e quando o motivo está ao alcance. Não há coordenadas exactas para o último gesto. Pode errar-se. Às vezes, mais do que se deseja, erra-se. Mas cumprido o impulso, despoletada a máquina de corrida em que existo, depois, a carne é já o destino. E antes dela apenas é a velocidade contra a fuga.
14 janeiro, 2007
Acácia, meu amor
# xv. O corpo é a frente de um combate. Parto agora em desafio, contra a fome que me acordou. Vou para o chão, em salto, perseguido pela necessidade posta em mim. Tomo um destino único, a carne. Há no encontro daquela necessidade com este destino uma felicidade que somente os carnívoros sentem e compreendem. É para ela, a tal felicidade, que já corro, mas pela via do cuidado. Pois o sangue não nos acontece na boca sem espera.
07 janeiro, 2007
Acácia, meu amor
# xiv. Não me impressiono com as distâncias ou com os silêncios. Vejo e oiço para além desses limites, num tempo que demoro tranquilo e sem lamento no meu corpo. Severo é o instinto, a fome e a necessidade que por ele perspassam. Severo é o atraso da noite, mesmo para mim que não tenho horas. O que me inquieta é o que rouba a minha indolência, a tarde breve e os seus acidentes. Guardo-me em ti, meu amor, porque, é esse o teu mistério, és quem melhor afasta de mim todos esses acidentes.
2006/2022 - Eliz B. (danada composta e padecida por © Sérgio Faria).